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A ARTE DA PRESIDÊNCIA LITÚRGICA

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  A arte da presidência litúrgica: sugestões práticas

Presidir é uma arte. E toda arte se aprende aos poucos. Também a do ministério da Presidência. As dificuldades apare­cem quando se passa à aplicação con­creta dos grandes princí­pios. Para isso, pede-se humildade, esforço, aprendi­zagem. Concretamente, talvez seja mais fácil detectar defeitos que apontar modelos celebrativos!

A arte de presidir comporta não só habilidade técnica! Pede competência teológica e consciência do valor salvífico daquilo que se celebra; conhecimento das re­gras da linguagem simbólica e capacidade para usar as modalidades expressivas da comunicação! Um critério importante nos é dado, ainda, pela Exortação SaCa 40: “A simplicidade dos gestos e a sobriedade dos sinais, situados na ordem e nos momentos previstos, comunicam e cativam mais do que o artificialismo de adições inoportunas”[1].

O grande teólogo Romano Guardinijá falava da necessidade de colher o sentido mais belo e profundo da liturgia como arte e como jogo, quando, em sua obra O Espírito da liturgia (1919), escrevia: “Brincar diante de Deus, não criar, mas ser uma obra de arte, tal é a essência mais íntima da liturgia. Daí a sublime mistura de seriedade profunda e de divina alegria que nela se vê. O cuidado meticuloso com que ela determina em mil prescrições ou detalhes das palavras, movimentos, vestes, cores e gestos, não pode ser compreendido senão por quem leva a sério a Arte e o Brinquedo”.  O papa Bento XVI, que de Guardini foi discípulo, destaca a “necessidade de superar toda e qualquer separação entre a arte da celebração e a participação plena, ativa e frutuosa de todos os fiéis”. E conclui : “O primeiro modo de favorecer a participação do povo de Deus no rito sagrado é a condigna celebração do mesmo; a arte da celebração é a melhor condição para a participação ativa” (SaCa 38),.

Para isso, a pessoa deve ter capacidades quase inatas: por ex., para pro­clamar um texto, exige-se comportamento e gestos espontâneos e sóbrios, voz flexível e cativante, o olhar expressivo, capacidade – intuição – de adaptar à realidade de cada Assembleia orante, gosto pelo belo, senso do ritmo e da música etc. Todas qualidades que devem ser ali­mentadas à luz da fé para que se tornem instrumentos de comunicação da Palavra e expressões do divino que age em nós. Tornam-se significativas, mais uma vez, as palavras de papa Bento XVI: “A verdadeira beleza é o amor de Deus que nos foi definitivamente revelado no mistério pascal… A beleza da liturgia pertence a este mistério… A beleza não é um fator decorativo da ação litúrgica, mas seu elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e de sua revelação” (SaCa 35).

Como e onde aprender? Aprende-se fazendo! Grande mestra é a Comunidade em que vivemos. Existe uma reciprocidade educativa entre a Comunidade celebrante e o seu Presidente. Este deve colocar sua pessoa toda ao serviço do anúncio e da celebração. Para isso, deve compreender o sentido e o valor dos gestos, o uso da palavra e do silêncio, dos símbolos e da coordenação, tudo feito com simplicidade e espontaneidade. Pede-se autentici­dade em cada ação, isto é, algo que vem de dentro, das convicções mais profundas da própria humanidade e da fé. Cada gesto deve estar em sintonia com o papel presidencial: o tom da voz, nem frio nem sentimental; a postura com dignidade, mas não hierática; o gesto simples, mas não banal; o olhar atento, mas não controlador. E assim em diante. Esses e mais cuidados para criar um clima de oração, participação e fé.

O sacerdote – Presidente, com seu estilo, será exemplo e se tornará formador dos outros ‘atores’ da celebração e da Assembleia toda. São Paulo exorta: Quem preside o faça com diligência (Rm 12,8), isto é, com senso de responsabilidade, ciente da delicadeza e importância de seu papel. Quem preside está sendo constante­mente ‘filmado’ nos diferentes detalhes de seu comportamento. A Igreja recomenda presidir com dignidade e humildade (Instrução Geral do Missal Romano: IGMR 93). A digni­dade está no fato de que quem preside o faz in persona Christi. Sendo a ação eclesial mais importante e mais alta (SC 10), a liturgia exige uma atitude serena (não austera e fria), gestos e vestes adequados etc. Também a respeito das vestes se poderia discutir, por exemplo, no uso das cores com seu simbolismo próprio[2].

Nas celebrações litúrgicas – como em outras circunstâncias da vida – o que faz a diferença são as nuances. Não é necessário ser ‘de­talhista’, mas é preciso caprichar para que a celebração aconteça da forma mais viva, e em sintonia com a Igreja da qual quem está ‘à frente’ é servidores, e instrumento nas mãos do Senhor: Ele só deve aparecer! Portanto, não condiz com a liturgia o ‘estilo show’ que chama demais a atenção sobre a pessoa (ator!) e deixa espaço li­mitado a Jesus e ao Espírito. A humildade no presidir é fruto da convicção de quem se reconhece irmão entre irmãos, discípulo da Palavra, que também escuta e procura partilhar, com gratidão, o que de graça recebeu.

Destacamos a atitude de quem exerce o ministério da presidência: ser instrumento e não protagonista (= ‘primeiro ator’). Por isso, ele deve esqui­var-se de chamar a atenção sobre si, para não se tornar empecilho ao encontro com o Senhor. As pessoas que prestam serviço na celebração são chama­das de ministros, isto é, servidores do Senhor e da Assembleia. Então, em seus gestos e palavras deve transparecer a presença do Ressuscitado.

Presidir com dignidade e humildade comporta, também, celebrar com calma (sem pressa), com serenidade (sem nervosismo) e com alegria, porque o serviço litúrgico é um dom divino pelo qual de­vemos sinceramente agradecer: Te agradecemos porque nos tornaste dig­nos de estar aqui na tua presença (Prece Eucarística II). Cientes que na liturgia temos nas mãos “aquele imenso tesouro de alegria e de beleza que é a Igreja” (Paul Claudel) e somos chamados a irradiar a alegria de anunciar a morte de Jesus e celebrar sua ressurreição, até que Ele venha.

  1. Quando exercer o ministério da presidência

O sacerdote preside, antes de tudo, na vida da Comunidade e no empenho pastoral. A presidência se exercita de maneira mais explícita, na preparação da celebração. A IGMR, 111 diz: “A prepara­ção prática de cada celebração litúrgica, com espírito dócil e diligente, de acordo com o Missal e outros livros litúrgicos, seja feita de comum acordo por todos aqueles a quem diz respeito, seja quanto aos ritos, seja quanto ao aspecto pastoral e musical, sob direção do reitor da igreja e ouvidos tam­bém os fiéis naquilo que diretamente lhes concerne. ‘Contudo, ao sacer­dote que preside a celebração fica sempre o direito de dispor sobre aqueles elementos que lhe competem’ (SC 22) ”.

Uma celebração nunca pode ser improvisada! Exige-se sempre preparação, definição de papeis, respeito do ritmo celebrativo, com momentos fortes e pausas, canto e silêncio, animação festiva e tempos contemplativos. Tudo para viver o encontro com o Ressuscitado. Uma palavra em destaque nesse exercício da presidência: tudo seja autên­tico!

Por isso, é preciso predispor: o ambiente, que seja limpo e acolhedor, simples, mas bem ordenado, e fale por si; as pessoas, cada uma com papel definido e lugar onde ficar; os objetos a serem usados, definindo onde devem ser colocados; os textos bíblicos, os livros na página certa, e assim por diante.

avaliação da celebração, feita com humildade e sinceridade, permite corrigir erros e melhorar. Trata-se não de ‘eficientismo’ litúrgico ou religioso, mas da glória de Deus e da santificação dos humanos (cf. SC 7).

[1] Continua: “A atenção e a obediência à estrutura pr

ópria do rito, ao mesmo tempo em que exprimem a consciência do caráter de dom da Eucaristia, manifestam a vontade que o ministro tem de acolher, com dócil gratidão, esse dom inefável”.

[2] No respeito pelos gostos e sentido semântico de cada cultura, perguntemo-nos: pode cada qual agir segundo seu gosto? Será que estamos respeitando as pessoas? Qual o sentido das vestes usadas para presidir uma celebração?