GRAÇA E ARTE DE PRESIDIR – I
Na Assembleia Geral da CNBB, em 2013, a Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia, ao apresentar os “Assuntos de liturgia”, destacou a urgente necessidade de melhorar a formação litúrgica dos que na Igreja exercem o ministério da Presidência litúrgica. Afirmava-se: “Esmerada formação é exigida por parte daqueles que se preparam para o exercício do ministério pastoral para que a ação litúrgica (o rito) expresse devidamente o mistério celebrado e leve a uma experiência de fé, deixando transparecer a ação de Cristo Ressuscitado e de seu Espírito”[1].
Presidir uma celebração litúrgica é, antes de tudo, uma questão de fé; mas exige diferentes cuidados e competências, de tal forma que podemos dizer que é também uma questão de arte. Por isso, continuando no assunto, falamos da arte de presidir.
- Questionamentos
Como avaliamos as celebrações litúrgicas de nossas Comunidades e aquelas às quais ‘assistimos’ nas TVs? Com quais critérios julgamos que uma celebração litúrgica foi realizada ‘com arte’ e, sobretudo, de acordo com o espírito e a espiritualidade da nossa Igreja? Como definir, então, a arte de presidir?
Se por um lado não faltam exemplos de celebrações dignas, ricas em conteúdo e nobres no estilo celebrativo, em sintonia com as orientações da Igreja, por outro, ‘assistimos’ a celebrações que deixam a desejar, justificando, assim, algumas críticas a respeito, não à Reforma litúrgica, mas à sua execução.
Com o desejo de suscitar reflexão – entre nós Pastores, antes de tudo, como também nos lugares de formação – proponho, em nome da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia, estas reflexões construídas ao redor de alguns questionamentos: que ‘traços’ humanos e espirituais deve ter quem, por vocação, é chamado a presidir a Liturgia, sobretudo a celebração da Eucaristia, memorial da Páscoa do Senhor? Que ‘modelo’ de Liturgia é (deveria ser) oferecido hoje ao povo de Deus por quem ‘guia’ a Liturgia e a Comunidade (lembremos que as duas dimensões não podem ser separadas!)”[2]? Quando uma celebração litúrgica pode ser considerada bonita, autêntica, verdadeira ‘obra de Deus’ (opus Deu) como a chamavam os antigos?
- Modelos celebrativos e espiritualidade litúrgica
- a)A formação litúrgica deve conduzir a compreender, por experiência, o sentido do mistério que toda ação litúrgica põe nas mãos, de forma especial, de quem foi escolhido para estar à frente do povo de Deus. Formação verdadeira se dá somente quando o candidato se alimenta na escola da espiritualidade litúrgica. Esse caminho, feito de estudo e de experiência, vai transformando o candidato que, ordenado presbítero, tornar-se-á verdadeiro educador do povo, por que aprendeu a se alimentar nesta fonte.
O papa Bento XVI, na Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis (SaCa), observa: “Visto que a liturgia eucarística é essencialmente ação de Deus que nos envolve em Jesus por meio do Espírito, o seu fundamento não está à mercê do nosso arbítrio e não pode suportar a chantagem das modas passageiras” (SaCa 37).
Quem preside a Eucaristia deve conhecer os passos que conduzem a uma autêntica experiência de fé para orientar a Comunidade inteira. Esta é a verdadeira mistagogia que, desde os Padres da Igreja, pertence à alma mais íntima da iniciação cristã. Trata-se de uma competência a ser cultivada desde os primeiros anos da formação presbiteral, e não só nos estudos teológicos e litúrgicos, mas, sobretudo, de forma experiencial, nas celebrações cotidianas no seminário ou casas de formação. Assim, aos poucos, o candidato ao ministério ordenado deve conhecer as grandes “leis” da liturgia e, ainda mais, amadurecer uma profunda espiritualidade. A esse respeito, ainda o papa Bento XVI, falando de beleza e liturgia, escreve: “A verdadeira beleza é o amor de Deus que nos foi definitivamente revelado no mistério pascal… A beleza não é um fator decorativo da ação litúrgica, mas seu elemento constitutivo” (SaCa 35).
Dom Armando
[1] O texto prossegue: “Isto exige espiritualidade. Celebrações realizadas com serenidade e sensibilidade simbólica, capazes de suscitar experiência espiritual. Merecerá a devida atenção uma sensata criatividade. A iniciação litúrgica de todos é uma ‘obra de grande amplitude, que deve começar nos seminários e casas de formação e continuar ao longo de toda a vida’” (VQA 15).
[2] Quem vive as fadigas pastorais, bem sabe como é complexo o exercício do ministério. Boa parte dos sacerdotes (bispos e padres) está com a agenda cheia para atender às exigências (mínimas) das pessoas e das Comunidades, distantes. Ainda mais as razões da participação às celebrações litúrgicas nem sempre estão de acordo com o que a Igreja propõe. Às vezes o povo é movido por razões espúrias (devocionismo, hábitos sociais… ou até magia e superstição). As fadigas do atendimento pastoral, sem excluir outras razões e dificuldades ligadas à pessoa do ministro, não favorecem que nas celebrações se crie aquele clima de fé e oração que favoreça um vivo contato com o Senhor.