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MEMÓRIA: HÁ COISAS QUE NÃO PASSAM

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Como quase todas as quartas feiras, dia 05 de abril de 2017 cheguei à Cúria diocesana para trabalhar. Ao cruzar a segunda sala que dá acesso à Chancelaria, uma cadeira vazia, computador desligado e sobre a mesa alguns envelopes e pastas fechadas me lembraram de que as coisas não seriam como antes: verdade, Raiana havia pedido demissão e seu último dia de trabalho tinha sido 1º de abril, ironicamente, dia tido como o da mentira.

Naquela hora, fiquei sem graça, meio perdido, pois a parceria de trabalho, troca de experiências, partilha de várias angústias e também de alegrias tinham chegado ao fim, a caminhada tomava outro rumo; ou melhor, Raiana tomou o seu rumo e eu fiquei desfalcado, sem rumo, na Cúria de sempre. Por mais que isto pareça egoísta da minha parte, foi o que senti por vários dias, calado, emburrado e sozinho, ou seja, me dei a oportunidade de ser egoísta mais uma vez, confesso. Perder é sempre ruim e meu sentimento era de perda, por mim e pela Diocese, que parecia irremediavelmente prejudicada.

Passado o tempo, remédio que cura tantas feridas tidas como incuráveis, hoje decidi parar para registrar algumas linhas, envolto num nascente sentimento de ação de graças, entendendo, agora, com mais lucidez, que as perdas podem ser recuperadas de algum modo e que Raiana fez e faz por merecer tudo de bom que está acontecendo: Ser aprovada em segundo lugar para o mestrado em Linguística pela UESB é bom demais. Agora, dona Ana Geni (Ninha) tem motivos a mais para sorrir e agradecer a Deus, como Raimundo, já na eternidade, pode agradecer, sem a nebulosidade da condição humana, Àquele que possibilita tais coisas, uma vez que o ser de Raiana vem dos dois, seus pais. Dou conta que a faculdade iniciada, de modo trepidante, em 18 de abril de 2012 e concluída com louvor em 24 de outubro de 2016 ficou para trás, porque a mira intermediaria é o mestrado, que abrirá novas portas e apontará novos rumos.

Nesta vida de perdas e ganhos, acabo por perceber que minha perda, e da nossa Diocese em vários aspectos, se torna muito pequena diante do ganho que terão aqueles por cujas vidas Raiana cruzar. Quem conseguiu vencer tantas etapas, enfrentar tantas situações adversas, assumir tarefas diante das quais se imaginava incapaz, pode muito mais. Raiana poderá ser mais que uma musicista que é, ir além do ser notária de um Tribunal Eclesiástico, fará muito mais e de modo excelente o que até abril passado fez em nossa Diocese, através da complexa engrenagem curial e da desafiadora Escola de Teologia para Leigos.

Se 02 de outubro de 2006 marcou o início de seu trabalho curial, 25 de abril de 2017 será para Raiana a data de começo do alvissareiro mestrado, não buscado só para si, mas, também, para aqueles que poderão ter a felicidade de com ela conviver e trabalhar, graça que eu e nossa Diocese tivemos por dez anos, tempo durante o qual construímos a amizade vencedora das ausências físicas que o tempo e a vida impõem.

Agora, envolto no silêncio desta noite que me inspira, dou conta, aliviado, que posso conviver com a cadeira vazia, computador desligado e pastas fechadas, porque essas mediações óticas, na verdade, interferem apenas no desenrolar de uma função. A gratidão e o reconhecimento que nossa Diocese tem pelo trabalho de Raiana, o legado de mansidão, inteligência e sutileza que ela nos deixa, isto, definitivamente, provoca um mútuo atrelamento, não há como nos perdermos.

 

Padre Rinaldo Silva Pereira

Chanceler do bispado